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  • Foto do escritorEdson Tavares

CRÔNICA DE SAUDADE PARA UMA CIDADE QUE FAZ 65 ANOS

Atualizado: 30 de dez. de 2018


Santa Cruz do Capibaribe iria fazer 10 anos quando nasci. Uma criança recebendo outra. Ao longo da minha primeira década, Santa Cruz vivia a sua segunda. Pequena, ia da igreja matriz ao cruzeiro, da ponte velha sobre o Tapera até a Rua dos Doidos, da Rua Grande até a maternidade (hoje Hospital Municipal); e pronto: acabava-se a cidade. Todo o mais se chamava aventura no meio da caatinga que a circundava.


Em tempos tranquilos, vagava por todos os lugares, criança curiosa que era. Com ânsia de descobrir e dominar o meu mundo, ia andar de bicicleta no campo de aviação, na hoje rodovia para o Pará e Poço Fundo, e passava zunindo pela Imburana (lugar expressamente proibido para as crianças), tentando flagrar as coxas de alguma meretriz descuidada; subia o Capibaribe, pelas margens e pela areia, até os coqueiros de Neco de Lucas; atravessava o rio, equilibrando-me nas frágeis tábuas e pedras, passava pela única rua de São Domingos e ia até a Barra ou o Bandeira; ou subia a serra, na Volta do Serrote, onde, certa vez, uma cobra-cipó passou entre meus dedos e eu desembestei ladeira abaixo, gritando de medo; as pedras da Bicuda, único lugar do rio em que dava pra tomar banho o ano todo, era outro lugar frequentado (só pra "bater perna", que eu nunca aprendi a nadar); a festa de São Miguel, em setembro, enchia os ares com os ecos da Jovem Guarda, nos alto-falantes dos parques de diversão, me ensinando as músicas que eu assassino até hoje; às noites, acompanhava meu pai nas famosas e imperdíveis malas da Rua Grande – só quem é daquele tempo sabe a extensão desse prazer.

O centro da cidade, nos anos 70: em primeiro plano, o Beco de João Pereira; ao centro, o Banco do Brasil; por trás, o Cine Bandeirante, de Joel Moraes. [Foto: Arnaldo Vitorino]

No cinema de Joel, de som rouco, não dava para entender a maior parte das falas, quando o filme era nacional, sem legenda (Teixeirinha ou Mazaroppi, que eram os únicos a que meu pai me permitia assistir, a maioria das vezes, com ele) – só se ouvia mais ou menos bem o noticiário do Canal 100, com notícias de meses atrás, mas que ainda eram novidade para mim.


A feira das segundas, na Rua Grande, desde a primeira gameleira, em frente à casa do padre, até a escola de Maria Lúcia Alves, mas também descendo pelos becos do Padre, de Braz e de João Pereira até a Rua do Pátio, onde a feira se estendia também, e onde as novidades pululavam aos meus olhos de menino. Passava boa parte do dia, “de cima a baixo”, sem um puto no bolso para comprar uma buga sequer, só acompanhando o movimento buliçoso do comércio de rua.


A feira na Rua Grande, às segundas-feiras, à sombra das gameleiras. [Foto: Aragão Foto]

No Luiz Alves, os primeiros contatos com os estudos formais e com gente fora do meu casulo, dos quais restaram na minha lembrança os mais marcantes: Carlos Lisboa (o único com o qual nunca perdi contato), Valdilene Nascimento, Roseli Silva (as duas que reencontrei, graças ao milagre da internet), Eva Frutuoso (onde andará a primeira das minhas tantas paixões platônicas?!), Paulo Roberto (filho de Firmino, que era primo de meu pai), Fernando Papaco (garotinho bom de bola, que ia lá pra casa, para brincarmos – não de bola, naturalmente, que sempre fui uma desgraça no futebol), os irmãos Alencar (que virou músico de respeito) e Arlindo Lopes, Eliane Gerônimo, filha do para sempre Pratinha...


Os vizinhos da Rua do Ginásio: Aderval (filho de seu Vitor – que todo mundo oxitonava a pronúncia: Vitôr – e dona Luzinete), irmão de Alba (com quem vivi a aventura mais antiga que minha mente preservou: fugimos de casa, os dois, e conseguimos chegar até a distante 29 de Dezembro, no prédio da Estatística); e Lulinha, filho de Amaro Barbeiro, com os quais descobrimos muita coisa daquele mundo enorme demais pra nós; também Lindomar e Nenem, os filhos de Tinto Coureiro e dona Dalvina.


Quando o Capibaribe botava cheia, só se podia passar de canoa para São Domingos e as demais localidades além rio. [Foto sem identificação]

Na Rua do Alto, moramos pouco tempo, guardei na lembrança somente Demir, irmão de Valdilene, filho de seu Plácido e dona Ana, que ficou inconsolável quando eu me mudei para o longínquo Bairro Novo, onde a turma de amigos se fez um pouco maior: as filhas de Antonio Saturnino (Lúcia, Cleonice, Marlene, Marli e Avani); os de João Balbino (George, Júnior e Maria Luiza); Lenilton (filho de dona Helena); Nildo (filho de Artur do Peixe); Abdias (Tica) e Amara (Memen), filhos de Corina, que moravam numa aconchegante e pequenina casa, na beira da lagoa, hoje Parque Florestal; Rômulo e Vaneide (filhos de Zé Dedelo e dona Dora), os filhos de Nego de Badeca e de Zé da Pipoca, casado com dona Alice, prima de meu pai.


A velha ponte, sobre o Riacho Tapera, era o começo da cidade, e virava atração concorrida, em tempos de enchente. [Foto: sem identificação]

Santa Cruz do Capibaribe que eu amava, mas lhe sentia pequena demais, e de onde parti para o mundo de Caruaru, aos 17 anos. Voltei 5 anos depois para trabalhar, para ajudar a fazer o Jornal Capibaribe, mas a cidade já perdera muito do encanto de antes. Agora eu era o que jamais deixei de ser: um filho ausente, sempre em outras plagas, Santa Cruz transformada num amontoado de lembranças, que mexem dolorosamente comigo, pela certeza do nunca mais que a cidade se transformou para mim.






No vídeo, todo o talento do multiartista Fábio Xavier, fazendo um nostálgico e rico passeio pela Rua Grande, através da xilogravura e da música.

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