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  • Foto do escritorEdson Tavares

ALÉM DA QUEDA, O COICE: DEPRESSÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA


Por EDSON TAVARES




[Foto: www.revistanews.com.br]

Novidade nenhuma que a pandemia do novo coronavírus está provocando uma devastação na vida das pessoas em dimensões não verificadas em qualquer outro evento dessa natureza, vivenciado pela atual geração. O tal isolamento social, numa sociedade que se constrói e sobrevive sobre o alicerce da socialização, traz consequências psicológicas nefastas e inimagináveis ao indivíduo.


Em tempos normais, vivendo sob uma forte pressão social, muitas pessoas acabam por fugir do cotidiano ameaçador, e se trancar dentro de si mesmas, com uma intensidade que chega a ser patológica. Desenvolvem distúrbios diversos, que afetam sua sanidade, e retiram delas preciosas oportunidades de serem minimamente felizes, ou ao menos conviverem saudavelmente com os outros.

[Foto: www.psicologo.com.br]

Agora, imagine quando a situação é exponencialmente mais opressora, como neste tempo adverso de pandemia, no qual persistem as mais diversas formas de tensão, e várias delas fronteiriças ao desfecho fatal, à morte! Se isso mexe com a cabeça das criaturas mais descoladas, faça ideia o que provoca naquelas que já trazem histórico de problemas neurológicos!


A origem da maior parte desses problemas situa-se na intensa autocensura e autocobrança, elementos catalisadores de crises existenciais terríveis. Por vezes, a procedência desses desajustes é imaginária, eles nascem de nossa exagerada exigência sobre nós mesmos, e acabamos fabricando fantasmas interiores os mais variados.


Não é, entretanto, o que está acontecendo neste momento. Os fatos que geram essa instabilidade emocional são dolorosamente reais. A pandemia que se abateu sobre nossa sociedade, ano passado, e que ainda se estende com voracidade até hoje sobre nós, impactou sob vários aspectos os indivíduos portadores de desajustes psíquicos.


Primeiro, no âmbito financeiro, já que, no começo da pandemia, as atividades comerciais, industriais e de prestação de serviços foram obrigadas a simplesmente parar de funcionar, acarretando prejuízos enormes, que redundaram em demissões em massa e falências de empresas. E sabemos muito bem que o desemprego ou a diminuição da renda são fatores detonadores de sintomas depressivos e de ansiedade, por provocarem a incerteza e o medo de não se conseguir arcar com as responsabilidades mensais e necessidades próprias e dos familiares. Isso abala significativamente a estrutura emocional do indivíduo – e se já existe uma tendência à fragilidade psicológica, esse indivíduo estará ainda mais propenso a desabar.


[Foto: www.blogconexasaude.com.br]

Em tempos normais, esses sintomas podem ser diluídos ou amenizados na convivência com os amigos e familiares, dispersados em festas e encontros que nos aliviam a tensão, até que a situação se normalize. Mas, nestes tempos sombrios, além da queda, o coice: o isolamento social fez-se necessário, para tentar conter a propagação do vírus; e aquele apoio, aquela mesa de bar, aquele churrasco, que poderiam controlar a tensão provocada pela insegurança financeira, isso tudo é desaconselhável agora – não deve acontecer.


Assim, desaparece o apoio físico dos amigos e familiares, e o indivíduo deprimido é obrigado a, além de se trancar metaforicamente dentro de si mesmo, amargar a prisão física de não poder sair de casa, de ficar confinado entre quatro paredes, amargando sua tristeza, e sem ver no horizonte uma perspectiva de melhora da situação. Vivencia, aterrado, toda a extensão dos tristes versos de Augusto dos Anjos: "Ninguém assistiu ao formidável enterro de sua última quimera".


Essa prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica tem um agente muito mais rígido, a conter o prisioneiro, um agente que se materializa num vírus invisível a olho nu, mas que provoca uma devastação imensa – o desconforto, o sofrimento do tratamento hospitalar, agravado pela dificuldade em se conseguir leitos disponíveis no sistema de saúde, e, no extremo, a morte quase certa, tudo isso amedronta de tal forma o sujeito, que ousar sair de casa torna-se um ato quase suicida.


Daí que muita gente entra em parafuso, sente-se confusa, amedrontada, desorientada, ansiosa, anestesiada, e termina agregando o distanciamento emocional ao social, isolando-se completamente dos outros. Isso provoca reações psíquicas, que podem ser leves e passageiras, mas também extremas, impactando de forma negativa a saúde social e mental do indivíduo.


A pandemia de coronavírus contribuiu significativamente para o aumento de sintomas psíquicos negativos e de transtornos mentais. A depressão se acentua naqueles já propensos a esse distúrbio, e a ansiedade, gerada pelas incertezas de quando isso tudo acaba, provoca um verdadeiro caos interior. E nos desestabilizamos de vez.



A vizinhança da indesejada


[Foto: www.leandroteles.com.br]

Mesmo transtornados e sequelados, queremos acreditar que as coisas vão melhorar, e, obviamente, só constataremos isso se estivermos vivos. Por essa razão, a preservação da vida ocupa lugar de tamanho destaque em nossas preocupações. Mas, nestes tempos pandêmicos, a ameaça à vida está nos inquietando muito. A morte está muito próxima de nós, a cada notícia que recebemos, de alguém querido, um amigo, um parente, ou um famoso (cuja presença midiática em nossa vida faz criar grande intimidade), que perdeu a luta para o vírus.


Quantos sustos pela morte de alguém, quantos velórios apressados a que nem podemos comparecer, deixando-nos uma estranha sensação de que o ciclo não se completou, e que, encontraremos, logo logo, a pessoa, para bater aquele papo atrasado, atualizar as novidades!


Nós mesmos estamos assustados, e a cada saída de casa, para cumprir uma obrigação inadiável, levamos conosco, além da máscara e do álcool em gel, o medo escancarado de nos depararmos com o inimigo invisível, que nos ataca sem que sintamos, que se instala em nós sem que tomemos consciência disso, e que pode fazer de nós a próxima vítima.


A barra é muito pesada para quem carrega em si distúrbios como depressão, ansiedade, pânico. Como conviver com cenário tão inóspito, além da porta, além da janela, além de si? Decerto há remédios que podem amenizar os sintomas desse desconforto, também tratamentos não medicamentosos que podem contribuir para sossegar a angústia do indivíduo. Bom que haja. Deve ser um alívio uma trégua nesses sintomas que incomodam tanto. Mas, e quando o efeito da droga passar? E se o tratamento for interrompido?


O fato é que seguimos criando mais paranoias interiores, neste tempo paranoico de pandemia...



Impacto econômico da depressão


Não bastassem os altos prejuízos financeiros e sociais gerados pela pandemia, a partir do fechamento provisório (em alguns casos, definitivo) de atividades econômicas, existe um impacto próprio da depressão e outros distúrbios neurológicos, que vai além do individual: a doença é uma questão de saúde pública, com consequências socioeconômicas importantes.


[Foto: www.portuguese.people.com.cn]

Comparada ao câncer, a influência da depressão na economia foi um dos tópicos discutidos no Fórum Econômico Mundial, na Suíça, em 2018 – portanto antes da pandemia se espalhar pelo mundo; apesar de não ser uma doença mortal, como o câncer, suas consequências são devastadoras. Em sua intensidade moderada ou grave, afeta diretamente o indivíduo em sua produtividade, tanto no trabalho quanto na escola ou na família. E, na pior das hipóteses, pode levar ao suicídio. Se considerarmos que cerca de 300 milhões de pessoas, no mundo, sofrem desse mal, podemos perceber o tamanho do problema.


A doença afeta o trabalhador, por exemplo, ao desencadear sintomas como falta de atenção, perda de memória e dificuldades de planejamento e tomada de decisões. E outro dado ainda mais preocupante é que esse mal ataca diretamente indivíduos em pleno vigor físico, em seu período mais produtivo.


Como é uma doença tratável, seria de se esperar que não impactasse tanto a economia. Entretanto, uma porcentagem muito baixa de pacientes procura tratamento – menos de 10% –, o que se dá pela falta de recursos e escassez de profissionais especializados, mas principalmente pelo estigma social associado a transtornos mentais, que leva muitos a acharem “frescura” ou fraqueza, ou ainda falta de vontade de se tratar, o que faz piorar o estado depressivo da pessoa.


De qualquer forma, é evidente que os transtornos psíquicos existem, em maior quantidade de pessoas e maior intensidade do que gostaríamos, e tem crescido de forma assustadora nestes tempos terríveis de pandemia, afetando diretamente a já fragilizada economia do país.


[Foto: www.ocupacional.com.br]

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