Depois de um longo período internado, em tratamento coronário, Severino Vitalino, filho e herdeiro artístico do Mestre Vitalino, sai de cena. Ficam suas peças e seu legado.
Visitar Caruaru implica conhecer o Alto do Moura, lugar mágico e real, povoado por artesãos do barro, tornados conhecidos no país inteiro – e até no exterior – pelas mãos hábeis do “deus do barro” Vitalino Pereira dos Santos. Sua humilde casa de tijolo aparente, hoje feita museu, transporta o visitante aos tempos do Mestre. Sem rebuscados recursos museográficos, sem luzes estratégicas, sem modernidade alguma: apenas alguns troços da família – a cama, o chapéu, a mesa, a colher de pau.
A um canto da sala, entretanto, a arte está viva, através das mãos de um homem de estatura pequena, que se agiganta, sentado sobre suas pernas cruzadas: assim como o dono daquela casa, com quem conviveu 23 anos, um artesão encanta os turistas, mas também os conterrâneos.
Ele é Severino Pereira dos Santos. Ele é Severino Vitalino. A habilidade nas mãos que constroem bois e cenas nordestinas, assim como o pai, só não é maior que sua simpatia, sua simplicidade, a atenção que dispensa ao visitante, contando-lhe histórias feitas de talento e barro.
O sorriso sempre nos lábios, acolhe a todos, agradece a visita. Impossível sair daquela casa sem lhe ter comprado uma peça e com ele tirado uma foto – que ele jamais se recusou a satisfazer o visitante que quer levar-lhe a imagem. Também impossível disfarçar a sensação esquisita (e boa) de volta no tempo, em que Severino Vitalino, o filho, mistura-se à figura do pai, Vitalino; em que o gato maracajá, primeira peça que Vitalino-pai fez, ganha vida pela arte do Vitalino-filho.
O Mestre Vitalino desapareceu há 55 anos. Permaneceu, entretanto, em sua fama, suas peças, sua banda de pífano, sua imensa contribuição ao nome de Caruaru, através dos tempos e dos lugares. Talvez nem tivesse plena consciência da dimensão de sua importância para sua cidade.
Seu nome virou até denominação de hospital (!), o estabelecimento que recebeu seu filho, em outubro do ano passado, que dele cuidou até o desenlace fatal, nesta segunda-feira – treze dias faltando para os 56 anos da morte do pai.
Severino Vitalino, aquele simpático senhor de 78 anos, que sabia receber como poucos, como só os humildes são capazes de fazê-lo, não mais será encontrado sentado sobre as pernas, naquele canto de sala. Severino Vitalino agora não encanta mais seus inúmeros visitantes com o fazer de sua arte, “ao vivo”. Severino encantou-se; a estrela do barro virou estrela imaterial dessa constelação de grandes artistas, do tamanho dos Mestres Galdino, Manuel Eudócio, Zé Caboclo, e do maior deles: Vitalino.